
Má gestão colapsou sistema de transporte em Natal, revela consultor técnico do Seturn

O Sindicato do Transporte Urbano de Natal (Seturn) contabiliza um prejuízo mensal de R$ 3 milhões desde março passado. De acordo com a entidade, o valor é referente às perdas com a revogação do reajuste da tarifa de ônibus do início do ano e, por conta da pandemia, também da queda de 70% do fluxo de passageiros ao longo dos últimos três meses.
Segundo o consultor técnico do Seturn, Nilson Queiroga, a Secretaria de Mobilidade Urbana de Natal (STTU) tem um posicionamento de omissão diante do colapso do serviço público de transporte. Ele pede que a licitação para o serviço, prevista para acontecer ainda este ano, dê mais liberdade para a atuação das empresas. “O modelo precisa ser moderno e competitivo, para que se possa corresponder às necessidades da população”, avalia
Agora RN – A economia potiguar foi duramente atingida pela pandemia do novo coronavírus. Todos os setores amealham prejuízos imensuráveis ao longo dos últimos três meses. Como as empresas do transporte público enfrentaram este período? As empresas de ônibus já enfrentavam grave crise financeira antes da pandemia, como foi a perda das receitas? Quantas demissões foram efetuadas?
Nilson Queiroga – Com muita dificuldade. Antes da pandemia, o Seturn entrou à Prefeitura do Natal um laudo pericial apontando prejuízos superiores a R$ 92 milhões. Esse valor corresponde ao período entre 2016 e 2018. O laudo mostrou erro na metodologia de cálculo da tarifa de ônibus de Natal. A STTU reconheceu o erro e corrigiu a tarifa em 28 de fevereiro. A tarifa passou para R$ 4,35. No entanto, o prefeito Álvaro Dias redução para R$ 4,25. Só que, logo depois, ele revogou o aumento antes mesmo de passar a vigorar. Ele alegou alguns motivos para voltar atrás, e também prometeu compensações para o setor, como a retirada de imposto. Isso só foi acontecer agora em julho, Ficamos no prejuízo. A revogação implica em um prejuízo mensal de R$ 1,2 milhão por mês. Depois da decretação do estado de calamidade, este valor subiu para R$ 3 milhões. Durante o período, a frota passou a circular com 30% e proibindo que pessoas possam viajar em pé. Por conta da restrição à circulação dos ônibus, as demissões do setor foram necessárias. Houve uma redução de 70% no fluxo de passageiros. Até agora, 20% dos trabalhadores do setor foram demitidos.
ARN – Governo do Estado e Prefeitura do Natal anunciaram a redução da carga tributária do setor. A ação será valida enquanto perdurar a pandemia. Como o Seturn avalia estas medidas?
NQ – A desoneração chegou tarde, mas o Governo do Estado já fez a parte dela (portaria de desoneração foi publicada no dia 03). A alíquota foi desonerada em 50% sobre o ICMS do óleo diesel. Vamos conseguir comprar taxando apenas 9% deste tributo. É um grande avanço. É algo que há muito tempo lutávamos. A Prefeitura do Natal anunciou a redução do ISS, mas até agora só está prometendo. Não fez ainda nada. Estamos cobrando, o tempo está passando e as empresas estão com muita dificuldade. Estes dois tributos, sendo concretizadas as duas desonerações, representam uma compensação de R$ 0,20. Isso se aproxima de equacionar o reajuste da tarifa do início do ano, revogado pelo prefeito Álvaro Dias, que seria de R$ 0,25.
ARN – As empresas de ônibus de Natal somam dívidas milionárias em impostos não pagos. Em março, segundo reportagem do Agora RN, o débito fiscal do setor ultrapassava a marca do R$ 160 milhões. Com a pandemia, a situação deve ter piorado ainda mais. O setor entrou em colapso?
NQ – Os débitos estão judicializados. As dividas foram contestadas. Havia cobranças indevidas, muitas em duplicidade. As empresas têm fortes argumentos jurídicos e apresentaram contestação para toda esta dívida, algumas até com ganho de causa. As empresas também têm muitos questionamentos cobrando dívidas da Prefeitura do Natal. Isso contabiliza um valor muito maior que o débito das empresas. O Município passou 42 meses sem reajustar tarifa. O sistema está em colapso há muito tempo. As empresas perderam a capacidade de renovar a frota de Natal. Até 2012, idade média dos veículos era de três anos e meio. Depois disso, com a má gestão pública do sistema de transporte, as empresas perderam a condição de renovar os veículos. Isso a prefeitura municipal nem exige mais. O Município tenta licitar há anos. Tentativas desastradas; ninguém se interessou. As empresas não têm condições, ao longo da pandemia, de pagar mais os benefícios dos trabalhadores. Há atrasos nos pagamento dos salários diretos. A gestão da Secretaria de Mobilidade Urbana de Natal[STTU] tem uma postura de omissão a esse colapso. O Seturn já enviou cartas pedindo soluções e medidas, mas a resposta foi o silêncio.
ARN – A Prefeitura do Natal pretende iniciar este ano o processo de licitação do transporte público. Como o Seturn avalia o processo? Como as empresas que atuam hoje no setor pretendem participar do processo licitatório mergulhadas em dívidas?
NQ – Importante e prioritária. A crise do sistema de transporte de passageiros é de todo o Brasil. Não é algo apenas local. No entanto, aqui em Natal, o setor nunca foi visto como prioridade pelo poder público. A licitação tem que ser feita para atender a realidade atual do sistema de transporte de Natal. Não pode ser um edital feito apenas por fazer. Precisa ser um documento que atenda às reais necessidades da população para a prestação do serviço. O estudo deve ser feito para atender essas premissas. Não pode repetir os erros das licitações que não deram certo. Também é necessário um novo modelo de tarifação. Quem financia hoje o sistema é o usuário, que paga com sacrifício todo o custo do serviço, incluído as tarifas sociais e gratuidades. Esses pagamentos têm que ser despesas públicas. Isso não pode sair do bolso do trabalhador. Aqui em Natal, de cada três passageiros, um não paga a passagem. Então, o usuário pagante chega a pagar R$ 1 a mais para arcar com os programas sociais. Isso é uma injustiça. Além disso, é necessário modificar o sistema de contratação. Atualmente, as empresa não podem aumentar o número de veículos, mudar o horário de atendimento ou mesmo alterar uma rota. Quando se pede para fazer isso, há uma demora que chega a durar meses. Quando somos respondidos, a maioria da vezes é de forma negativa. O sistema está engessado. O modelo precisa ser moderno e competitivo, para que se possa corresponder às necessidades da população. Em outros serviços, como o de energia, por exemplo, quando se precisa trocar um poste ou transformador de energia, a concessionária não vai pedir autorização ao Município. O que queremos é que seja um certame atrativo e viável, que as empresas possam investir e, com o tempo, não terminar com prejuízo.
ARN – Em diversos lugares do mundo, a preocupação para o pós-pandemia é de como o sistema público de transporte vai operar para garantir a segurança sanitária dos passageiros. Na Europa, por exemplo, alguns países iniciaram políticas de incentivo ao uso de bicicletas, como forma de reduzir a pressão do transporte público. As empresas de ônibus de Natal terão capacidade para garantir a condições biossanitárias para a segurança dos passageiros?
NQ – As empresas reforçaram as ações de limpeza dos veículos. Estamos acompanhando diariamente o fluxo de passageiros, disponibilizando aumento da frota nos horários de pico. Há críticas sobre o possível aumento de contágio nos ônibus. Mas isso não é verdade. O ônibus urbano é muito arejado; a ventilação é grande. Não é um lugar fechado. Aí, sim, o risco é ainda maior, como hospitais e supermercados. Temos poucos registros de contágios entre os operadores do setor. Acreditamos que o transporte público é seguro. Temos a sugestão para aumentar a segurança sanitária, que é a de adotar apenas o uso de cartão magnético entre os passageiros. Isso evitaria o manuseio de cédulas e moedas, reduzindo ainda mais a possibilidade contágio. A prefeitura deveria adotar isso. O carregamento das passagens pode ser feito por aplicativo. Não há dificuldades.
Fonte: AgoraRN Foto: José Aldenir